quarta-feira, 9 de junho de 2010

Os primórdios

A história do Choro provavelmente começa em 1808, ano em que a Família Real portuguesa chegou ao Brasil. Em 1815 a cidade do Rio de Janeiro foi promulgada capital do “Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves”. Em seguida passou por uma reforma urbana e cultural, quando foram criados cargos públicos. Com a corte portuguesa vieram instrumentos de origem européia como o piano, clarinete, violão, saxofone, bandolim e cavaquinho e também músicas de dança de salão européias, como a valsa, quadrilha, mazurca, modinha, minueto, xote e principalmente a polca, que viraram moda nos bailes daquela época.
A reforma urbana, os instrumentos e as músicas estrangeiras, juntamente com a abolição do tráfico de escravos no Brasil em 1850, podem ser considerados como algumas "causas" para o surgimento do Choro, já que possibilitaram a emergência de uma nova classe social, a classe média, composta por funcionários públicos, instrumentistas de bandas militares e pequenos comerciantes, geralmente de origem negra, nos subúrbios do Rio de Janeiro. Essas pessoas, sem muito compromisso, passaram a formar conjuntos para tocar de "ouvido" essas músicas, que juntamente com alguns ritmos africanos já enraizados na cultura brasileira, como o batuque e o lundu, passaram a ser tocadas de maneira abrasileirada pelos músicos que foram então batizados de chorões.
Como se pode perceber, o Choro nasce da recontextualização e do dialogismo musical. Estilos trazidos da Europa são então acomodados em meio à realidade do Rio Janeiro do Brasil Colônia e por força de conflitos sociais e relações de poder próprias desse contexto surgem vozes com ideologias e anseios sociais que materializam essa releitura. Suas ações, conforme o esquema confrontação – abertura – argumentação (Discursos e Práticas Sociais, Ormundo), visam atingir os objetivos dessa nova classe social.
O Choro inicialmente dá vazão a todos esses sentimentos e ideais de forma pouco organizada, mas muito espontânea, o que legitima a sua vocação. A Polca, a Valsa e demais gêneros europeus representavam estilos de vida e posições no campo das forças sociais que produziam significados distantes da realidade do recém-alforriado, do funcionário público e etc. Estes, por sua vez, adotaram um “fraseado” mais parecido com o espírito e atitude manifestados pela sociedade carioca. Vale ressaltar que esse heterogêneo, porém convergente grupo social, gozava de uma vida menos “burocrática, formal e sisuda”.
Na prática, isso se traduziu em um estilo mais “relaxado”, improvisado e desafiador no manuseio dos instrumentos, como num ato mesmo de afirmação e reinvidição de seus valores. Décadas mais tarde o Choro já legitimava todos esses ideais e ambições, fundando através dessa prática um espaço social que permitia às classes menos prestigiadas a produção de significados próprios e expressivos da sua condição ou contexto, ao invés de simplesmente cederem ao jogo de poder imposto pelas classes dominantes.
Considerado a princípio apenas uma maneira mais emotiva ou chorosa de se interpretar aquelas músicas, o Choro foi aos poucos afrouxando as suas fortes influências e passou a assumir características próprias e bem distantes das dos gêneros de origem. Esse distanciamento de estilo implicou em um diferenciamento no espaço tambem - novos espaços musicais e sociais. Os conjuntos de choro proliferaram no Rio de Janeiro, estendendo-se ao Brasil. Libertavam-se assim os chorões emudecidos, tal qual foram os escravos pela Lei Áurea. As rodas de choro se multiplicavam pelos bairros da cidade, atraindo um número cada vez maior de adeptos e simpatizantes.
Essa nova identidade, forjada não só pelo ferro e fogo da opressão colonial, mas tambem pelo sopro fresco que o discurso do Choro trazia, criava raízes profundas. O samba, outra criação brasileira extremamente profícua na expressão de um novo ideário, era igualmente acolhido pelas mentes e corações da capital. As décadas transcorriam ao ritmo da efervescência do Rio. Pessoas de todos os estados da jovem federação afluíam para ali em busca de melhores oportunidades, encontrando muito mais do que esperavam. Travavam contato com o que havia de mais moderno e mais brasileiro musicalmente. As diferentes vozes regionais cantavam em uníssono e encontravam um lugar para finalmente terem livre expressão.
Como exposto na Introdução à Linguística I (Fiorin, José Luiz), a história do Choro segue o esquema disforia - não-disforia - euforia. Nesse caminho ocorre a passagem de um momento “aprisionado”, sem liberdade de expressão, a um momento em que não há total liberdade, mas há espaço para um novo fraseado, para o desafio, até chegar ao momento em que pouco se reconhecia dos outros estilos no Choro, ou seja, a liberdade que os músicos e seus interlocutores esperavam alcançar. A música tambem pode ser interpretada como expressão dos sentimentos de um indivíduo. Nesse sentido, é possível afirmar que a função de linguagem predominante do texto “Choro” é a emotiva. Mas é óbvio que a poética tambem desempenha papel determinante nesse cenário, uma vez que a ruptura (no caso específico desse estilo) ocasionada representa ideais compartilhados por outros indivíduos desse mesmo contexto, que ao ouvirem a mensagem transmitida pelos acordes a decodifica e realiza internamente os seus significados.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O choro e a capital

No ano em que Brasília comemora 50 anos de fundação o Clube do Choro abre as suas portas a alguns dos principais músicos instrumentistas do país. Os “Chorões” recebidos em seus palcos tocam obras primas desse extraordinário gênero, o Choro. Tido por muitos como o primeiro estilo genuinamente brasileiro, algumas de suas melodias já ecoavam pelo planalto central antes mesmo da cidade ser inaugurada.
A comitiva de JK, quando ainda habitava a conhecida casa de madeira chamada de “Catetinho”, incluía frequentemente um tal Dilermando Reis, Chorão renomado que costumava tocar debaixo das estrelas aquela que se tornaria a principal trilha sonora da fundação da capital: “Abismo das Rosas”. Àquele tempo, o violonista tinha a doce tarefa de animar as noites do Catetinho, criando sem saber uma relação tão íntima e duradoura que hoje não se pode mais separar Brasília do Choro e vice-versa.
As vozes e o discurso por trás dessa entidade da música popular brasileira constituirão nesse espaço tema constante de diálogo e convergência entre todos os apaixonados pelo Choro e os que ainda estão por enamorar-se por seus acordes. Entre o palco e a história, instrumentos e “tocadores”, há um vasto e riquíssimo depositário de idéias, ideais, mensagens e sentimentos que contam melodicamente parte da história do país e de sua capital.